A voz numa dimensão para além do timbre e da fisiologia, é assim que a cantora, Marilda Santanna, idealizou o projeto Marilda 45 com o show “Pausa Mínima” que celebra a sua volta aos palcos e os seus 45 anos de uma trajetória recheada de elementos que dialogam com a maturidade que ralenta às urgências e privilegia a pausa, o silêncio, intervalos entre uma pausa e outra, alinhavando vozes negras com o repertório da sua vida. O show, com duas apresentações gratuitas (até a lotação do espaço) acontece nos dias 24 e 25 de setembro (terça e quarta), às 20h, na Sala do Coro do Teatro Castro Alves e terá participações especiais de cantoras da nova geração da música baiana. Aiace, cantora e compositora, filha do grande letrista Gileno Felix, Luísa Brito, também cantora e compositora, filha de Cinho da Mata, um grande cantor baiano, Ju Santos uma artista trans, cantora capixaba radicada em Salvador e Mônica Millet, Neta de Mãe Menininha do Gantois, grande percussionista e compositora.

“As duas primeiras são duas figuras que eu tenho admiração muito grande e respeito, acho que estou trazendo as duas caçulas de mim para esse palco. Ju Santos tem um trabalho maravilhoso, acho extraordinário ter a sua representação na cena, a importância dessas mulheres no canto do Brasil negro. E a última é da minha geração, no meu primeiro álbum gravei uma canção dela, que além de ser uma grande instrumentista, é compositora, pesquisadora das matrizes afro-baianas, uma referência”, explica Marilda.

Nascida em Salvador (BA) em 1956, desde cedo teve contato profundo com a música, algo que seria conciliado posteriormente em sua vida acadêmica com outros elementos, valorizando o canto da voz negra feminina presente em suas pesquisas de mestrado desde 1997. As diversas faces observadas na trajetória de Marilda ajudam a contar o que representa a importância do canto negro e suas influências que se manifestam em diferentes intérpretes. Um tripé que se cruza com as dimensões raciais, de gênero e de geração.

“Eu sempre pesquisei mulheres, dentro do meu universo, no mestrado, no doutorado, em todos os pós-doutorados, e, ultimamente, mais ainda, as mulheres negras. A partir de 2017, eu comecei a mergulhar mais profundamente no universo das cantoras, das intérpretes negras. Então, tudo isso acionado pelas minhas memórias e pelas minhas escutas e os artigos que publiquei, o repertório que está aqui presente, aciona em mim uma celebração, mais do que uma homenagem”, relata.

Com direção musical de Neila Kadhí, o Projeto Marilda 45 com o show Pausa Mínima traz um repertório extraído de suas vivências e experiências existenciais ao longo destes 45 anos de carreira. Ele será composto por 18 canções, entre elas “Ya Olokum”, de Mônica Millet, presente em seu primeiro álbum; “Vestido de prata”, de Jorge Alfredo, a faixa está no seu terceiro álbum, vozes negras que fizeram e fazem parte da sua escuta, como Djavan, Luiz Melodia, Milton Nascimento, além de canções que ilustraram shows de sua trajetória, como “Morena do mar” e “Mãe d’água e a menina” de Dorival Caymmi, passando por Manuela Rodrigues, Liniker, Luedji Luna, entre outras cantoras da nova geração que cruzaram e entrelaçam todo o discurso feminino dessa mulher inspiradora que é Marilda Santanna.

Para Neila Kadhí, que foi aluna de Marilda no curso de Bacharelado Interdisciplinar em Artes, na UFBA, a troca de conhecimento e experiências ao longo do processo criativo reflete o impacto profundo que a artista teve em sua vida. “Poder colaborar com a construção deste show é uma honra, uma alegria pra mim. Marilda sempre foi uma referência, uma inspiração como cantora, como artista, tenho aprendido bastante com toda essa construção”, explica.

No palco ela estará luxuosamente acompanhada de jovens músicos, que para ela essa conexão atualiza a sua obra e o seu contato com a música. “Deixei por conta da Neila Kadhí, que está fazendo a direção musical do projeto, tenho total confiança nela, que foi minha aluna, eu participei como atriz num clipe dela também, admiro muito o trabalho dela como cantora, como programadora e como gestora da carreira e compositora”, explica.

A ambientação do espetáculo é um destaque à parte. Assinado pelos talentos da diretora artística Sanara Rocha, o cenário é uma homenagem a deusa Oxum Apará, reverenciando a força e a sensibilidade que ela representa. Para criar essa atmosfera banhada pelas águas sagradas de Oxum, Sanara utiliza elementos que evocam a dualidade da divindade: por vezes meiga e doce, e em outros momentos agressiva.

A água e o tempo são os principais elementos presentes no cenário, simbolizando a fluidez e a eternidade. A água, que é tanto calma quanto turbulenta, reflete as emoções que Marilda Santanna traz à tona em suas interpretações. Já o tempo, representado de maneira abstrata, sugere a longevidade e a evolução da carreira da artista, conectando cada momento de sua trajetória a um fluxo contínuo de memórias e sentimentos.

Com Raimundo Nova na guitarra e violão, Márcio Melgaço no piano e acordeom, Tobias Muller na bateria e Carla Suzart no baixo e violão, Marilda apresenta um show que transcende o comum, emergindo em uma experiência sensorial, que dialoga com suas memórias e ancestralidade, através de vozes de intérpretes negras que perduram e são perenes dentro da música popular brasileira.

Este projeto Marilda 45, foi contemplado nos Editais da Paulo Gustavo Bahia e tem apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura via Lei Paulo Gustavo, direcionada pelo Ministério da Cultura, Governo Federal. Paulo Gustavo Bahia (PGBA) foi criada para a efetivação das ações emergenciais de apoio ao setor cultural, visando cumprir a Lei Complementar nº 195, de 8 de julho de 2022.

foto Tetê