O espetáculo Dembwa, dos artistas da dança Marcos Ferreira e Ruan Wills, volta aos palcos de Salvador e Região Metropolitana em nova temporada gratuita, integrando o projeto “Dembwa – Mapear o Movimento: tempo, memória e ancestralidade”. A circulação passa por três regiões distintas: centro, cidade baixa e RMS, com sessões no Espaço Xisto Bahia (18 e 19 de julho, às 20h; e 20 de julho, às 18h), Centro Cultural Lauro de Freitas (26 de julho, às 17h) e Centro Cultural Alagados (27 de julho, às 18h). Em cada espaço, em uma das apresentações, o público poderá participar de bate-papos com os artistas.

Após estrear em Salvador no fim de 2023, Dembwa percorreu em 2024 cidades do interior da Bahia, como Paulo Afonso e Feira de Santana, e integrou importantes eventos nacionais, a exemplo do Festival Internacional de Dança do Recife e da Plataforma Nacional de Artes Negras. A circulação intensificou o diálogo da obra com diferentes públicos, ampliando seu impacto político e cênico a cada temporada. Desde a sua estreia, os palcos foram encruzilhadas para o assentar, o maturar de vivências de corpos em movimento, o que levou ao espetáculo ganhar maturidade, força e novas camadas de escuta e presença.

Um espetáculo-coreografia para reencontrar o chão
Sankofa. Uma coreografia ancestral em atos que narra histórias de muites. Um transe para afirmar e firmar, ao som de sambas de caboclo, danças de orixás, pagode baiano, funk, silêncio e reza. Dembwa é construído a partir das memórias biográficas de Marcos e Ruan — homens pretos, periféricos, bixas, dançarinos e filhos de terreiro — e ergue-se como um rito de retorno e reconhecimento. Dança os quintais de mãe, as lavadeiras e ganhadeiras, os terreiros e suas forças, os gestos e silêncios que moldam corpos dissidentes no Brasil.

A dramaturgia investiga memórias como arquivos vivos, que se materializam também na estética: o figurino em patchwork, feito com retalhos de roupas e sobras de tecidos, simboliza a colagem de lembranças, a reconstrução de histórias e o corpo como costura de tempos. Ao longo do espetáculo, pregadores ganham novos significados, e o chão se revela guia. “Dançar Dembwa é lembrar quem nos sonhou. É acessar o tempo como espiral, como chão. É perguntar: qual o seu chão?”, provocam os artistas.

As danças das religiões de matriz africana aparecem como tecnologias do tempo: a caça de Oxóssi, a espada de Ogun, o silêncio de Obaluaê, o fogo de Xangô, as águas de Oxumarê e das yabás — orixás femininos que governam as águas, os nascimentos, as curas. Com isso, Dembwa propõe um afrofuturismo da cena, que conecta rituais e danças de rua, saberes ancestrais e contemporaneidade periférica.

“Percebendo as encruzilhadas que nos aproximam, bem como nossas experiências de vida e as histórias que traçam a trajetória dos nossos familiares — e que também se assemelham às histórias de tantas pessoas pretas no Brasil — nasce Dembwa. Ancestralidade, referências, memória e retorno são palavras que deram ignição ao processo criativo da obra”, explica Marcos Ferreira, que é diretor do Grupo Jeitus de Dança e Balé Jovem de Cajazeiras.

Os artistas, que além de intérpretes também assinam a concepção e coreografia do espetáculo, entendem que quanto mais nos aproximamos da “nossa” ancestralidade e da força dos que vieram antes, mais nos aproximamos da força que somos nesse tempo. Se as primeiras lembranças vem do quintal de mãe, um dos atos de Dembwa é dedicado às yabás – orixás femininos, entidades que carregam em si o poder sobre as águas, que são vida, mães, líquido-nascimento, cura e carinho de Ori.

Residência e partilha com novos corpos em cena
Além da circulação, o projeto realiza durante o mês de julho uma residência artística com artistas pretos/as e LGBTQIAPN+ da Bahia, selecionados via convocatória pública. Participam da imersão Matheus Nazaré, Sauane Costa, Lara Carvalho, Maximu Maxima, Larissa Lima, Odara Ferreira, Ícaro Ramos, Adam Akuma, Oa Assumpção e Quilomba Zu.

Guiades por Ferreira e Wills, os encontros se desdobram em partilhas coletivas e criações autorais, com resultado final apresentado ao público no dia 14 de julho, no Espaço Xisto Bahia. A residência, que integra o mesmo projeto da nova temporada do espetáculo, valoriza saberes de rua, de casa e de terreiro, propondo um campo de escuta e invenção onde cada corpo se reconhece como arquivo e encruzilhada.

O projeto “Dembwa – Mapear o Movimento: tempo, memória e ancestralidade” é realizado com apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia, por meio da Secretaria de Cultura via Política Nacional Aldir Blanc – PNAB, direcionada pelo Ministério da Cultura – Governo Federal.