Além dos dotes vocais, Marisa Monte sempre ganhou notoriedade pela inteligência com que, de forma estratégica, idealizou cada passo de carreira que começou a ganhar relevo em 1987 com as primeiras apresentações de show logo cultuado no circuito hype do Rio de Janeiro (RJ), cidade natal dessa artista que completará 53 anos em 1º de julho.
A notícia de que Marisa voltará ao mercado fonográfico vinculada à gravadora Sony Music – informação confirmada ao colunista pela assessoria da cantora – é movimento surpreendente nessa coreografia desde sempre ensaiada com zelo.
No momento em que as principais companhias do mercado fonográfico brasileiro estão concentradas na promoção de artistas voltados para o universo massivo do funk e do sertanejo, Marisa prepara volta ao disco, em tese para o fim de 2020, com contrato assinado com gravadora multinacional. Caberá a Sony Music distribuir o primeiro álbum solo de estúdio da cantora desde O que você quer saber de verdade (2011), disco lançado há nove anos.
Ao lançar a primeira compilação da discografia em abril de 2016, Coleção, Marisa encerrou o vínculo com a gravadora EMI-Odeon, na qual ingressara em 1988 com um dos contratos mais vantajosos do gênero na época, até pela garantia de total liberdade artística na condução da discografia.
Encampada em 2013 pela Universal Music, a EMI editou todos os álbuns da carreira solo de Marisa, a partir de 2000 em parceria com o selo Phonomotor, aberto pela artista em 1999. Ao criar selo próprio, Marisa Monte passou a ser dona da própria obra fonográfica, privilégio quase raro na indústria brasileira do disco.
Por isso mesmo, o ingresso de Marisa na Sony Music é movimento surpreendente da artista porque, numa era em que as grandes gravadoras já não são indispensáveis para um artista gravar e veicular discos com visibilidade, a cantora se associa a uma multinacional de molde tradicional.
Em tese, Marisa Monte está em recesso desde 1º de maio de 2019, como anunciou em rede social, após a primeira turnê do trio Tribalistas, estreada em julho 2018 e encerrada em abril de 2019.
“Queridos, depois desse período de expansão com direito a muitas viagens, shows e álbuns novos, estou entrando em um período de trabalhos internos e vou ficar invisível por um tempo novamente”, avisou a cantora na mensagem da rede social.
Só que, a rigor, o período de trabalhos internos jamais interrompeu o fluxo criativo da artista. Marisa certamente também aproveitou o momento sabático para idealizar um disco pelo qual os seguidores da cantora esperam ansiosos há anos.
O último álbum solo da cantora, O que você quer saber de verdade (2011), resultou leve e feliz. Foi disco em que Marisa filtrou a canção popular romântica por estética refinada sem perda do apelo pop de melodias cantaroláveis.
Mesmo com músicas aliciantes, O que você quer saber de verdade foi o álbum menos impactante de discografia marcada por ousadias estilísticas calculadas com precisão para manter o público conquistado e ampliado ao longo de 33 anos de trajetória singular.
Marisa Monte vai voltar em cenário que mudou muito ao longo dos anos 2010. O universo pop se transformou. A cena musical contemporânea está mais vasta, os nichos populistas dominam o mainstream e o mercado indie pulsa com vigor incessante, sem depender de gravadoras multinacionais. A banda BaianaSystem e o rapper Baco Exu do Blues são somente dois entre muitos exemplos de artistas bem-sucedidos que conquistaram mídia e público sem a chancela de uma grande gravadora.
Com parcerias com Silva e com o compositor uruguaio Jorge Drexler na manga (não necessariamente previstas em disco sobre o qual ainda nada se sabe), Marisa Monte tem mais chance de prolongar a soberania na medida em que apresentar um disco que dialogue com o momento presente, com a cena atual, porque o tempo espera por ninguém, embora ainda haja muita gente que espera quase uma década por álbum solo de Marisa Monte.
Esta matéria foi escrita por Mauro Ferreira para o G1.