“E quem é que enxerga a gente, hein!?”. Uma situação hi-poética-dor-@ que beira a realidade. Em meio a uma pandemia biossocial, um aplicativo clandestino conecta os que buscam sobreviver em meio ao caos sorológico provocado por um vírus que tem levado à morte de milhares de pessoas no mundo. A fuga para tornar-se visível e alimentar-se é a internet, esta tecnologia que ao mesmo tempo que distancia corpos físicos, aproxima vidas, visibiliza falas e pedidos de socorro. Uma virtualidade que, hoje, cada vez se torna presente no cotidiano econômico-sócio-cultural de todo mundo, em que as “estrelas” das bocas – aqui se ultrapassa o órgão humano, que se aproxima das bocas de fumo, das bocadas, que também são favelas e locais de convívio – se transformam em números, falas de tik tok, corpos pasteurizados e sucessos pixelados.

O gatilho para criação dramatúrgica de tal situação ocorre em decorrência da pandemia do Covid-19, que desde dezembro de 2019 tem acentuado e acirrado as desigualdades sociais. O texto No Céu da Boca Não Tem Estrela – escrito pelo artista da cena, diretor teatral e dramaturgo Luiz Antônio Sena Jr. – estará disponível no site do autor (https://luizantoniosenajr.wixsite.com/my-site), assim como em suas redes sociais (Instagram e Facebook), e no dia 02 de março será lido ao vivo com transmissão online em seu canal no Youtube (https://www.youtube.com/LuizAntônioSenaJr).

A leitura dramática com direção do próprio autor, traz no elenco Akueran Neiji, Ana Paula Carneiro, Anderson Danttas, Fabíola Nansurê, Igor Nascimento, Matheuzza, Roquildes Junior e Silara Aguiar. A trama traz um panorama de um mundo em que só quem tem grana consegue viver e quem não tem vive das migalhas, tentando sobreviver, numa estrutura que não os olha e não os acolhe.

Atento ao mundo das “nuvens”, em que nossos corpos se tornam virtuais, dados disponíveis para o capitalismo, Sena Jr. questiona: “Quem são as estrelas dessa virtualidade? Quem tem escutado o outro? Quem tem feito o bem de verdade ou tem fackeado em stories e lives?. Vislumbrando o lucro, o outro vira mais um número para que essas estrelas ecoem nessa grande nuvem, nessa boca que está aberta para o caos?”

O texto traz oito personagens. Cada um foi pensado em sua função social frente a esse contexto over de pandemia. A Coveira que já enterrou tantos corpos e se vê desempregada “porque não tem mais onde botar gente morta”. A Manicure que na verdade é uma mãe à procura do filho que sumiu, uma situação análoga a de muitas mães pretas e faveladas, que veem seus filhos desaparecerem, sendo provavelmente enterrados em valas – situação que não cessou nem na pandemia do coronavírus, quiçá no contexto sugerido da peça. A professora, com câncer no cérebro, que se vê obrigada a continuar ensinando, não somente matérias escolares, mas amor e cuidado consigo e para com o outro. A Digital Influencer que lucra em cima da miséria alheia. O jornalista que deveria mediar a informação, mas na verdade atende aos interesses de quem lhe banca, estilhaçando a posição da mídia que em tudo interfere, nos dados, na política, na saúde pública, na cultura, etc. O PM Afastado, personagem que muitas vezes é o espelho da lei, mas que nesta pandemia teve sua máscara questionada – até onde ele é herói e bandido? O Vendedor Ambulante de Queijo Coalho que representa os corpos que estão no “corre” e que precisam continuar trabalhando para sobreviver mesmo sob o risco de morte frente a contaminação sabida. A travesti que questiona “quando é que não fui perigosa? Quando foi que alguém me quis?”.

A peça nos leva para uma situação ficcional e real de guerra social, em que a virtualidade é o ganha pão, mas também espaço de cancelamentos digitais. Quem sabe mais? Quem manda mais e quem atinge mais pessoas?. Um jogo de poder que quem vence é aquele que mais nos bombardeia de informações.

“Há na dramaturgia um jogo de palavras que terminam com DOR. Já parou para pensar quantas palavras terminam com esse sufixo? Porque nossa língua é tão carregada de DOR?”, sintetiza o autor. No Céu da Boca Não Tem Estrela é uma reflexão sobre as sorologias que são sociais. Situações biológicas que interferem no convívio social e, portanto, acabam acirrando ainda mais as desigualdades, os isolamentos, as violências. A peça exacerba as dores estruturantes.

O projeto tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Programa Aldir Blanc Bahia) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultural do Ministério do Turismo, Governo Federal.