As células da percussão cubana, os tambores da África, o baianês das esquinas de Salvador, o gingado das festas da cidade e a poesia de Jorge Amado encontram-se nas ruas do Pelourinho, sol a pino, na voz de Jorge Zárath e Carlinhos Brown. Tal fusão totalmente intencional é o resultado do clipe “Meu Coração Pula”, versão de Zárath para a música “El cuarto de Tula” (Sérgio Siaba), imortalizada no filme “Buena Vista Social Club”. O lançamento acabou de acontecer no canal do artista no YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=07t7lmq9zcs). Dia 18 de janeiro, estará em todas as plataformas digitais.
A reunião de tantos elementos foi a forma que o cantor e compositor uruguaio, de coração baiano, achou para chegar à alquimia da sua própria história, a de um jovem imigrante, fisgado pela inclinação musical, abraçado pela Bahia e que fez dessa terra um solo fértil para plantar seus acordes e, assim, deixar uma marca de peso e grande contribuição para a produção musical local. “Esse clipe vem marcar um ponto da minha história, tudo que eu já fiz por essa terra e tudo que ela me deu”, diz ele.
Mesmo com sotaque latino e estética de gringo, Zárath foi convidado, nos anos 90, para cantar em trio elétrico (Bloco Beijo) e se tornou um dos compositores mais gravados da Bahia, criando sucessos para Olodum, Daniela Mercury, Netinho, Chiclete com Banana, Banda Mel, É o Tchan, Asa de Águia, Harmonia do Samba, entre outros. A sua obra, desde esse tempo até hoje – como na canção do clipe – é um encontro feliz de diferentes referências, passando pelos ritmos caribenhos e, claro, o samba reggae genuinamente baiano.
Se o momento é de celebração, cada componente citado na música “Meu Coração Pula” está ali como alvo de homenagem. Encaixam-se na honraria o pai do samba reggae, Neguinho do Samba, os Filhos de Gandhy, o próprio Pelourinho como centro de coesão soteropolitano e seu grande anfitrião, o empresário da Cantina da Lua – reduto cultural da cidade – Clarindo Silva. Isso sem falar do artista escolhido para dividir os vocais com Zárath, Carlinhos Brown, o Carlito Marron, para manter o clima de intercâmbio cultural.
“Nos estúdios da gravadora WR, há 25 anos, Carlinhos um dia sentou e disse que queria fazer uma música em espanhol, e eu me perguntava o que ele queria com aquilo já que todo meu esforço era exatamente cantar português. A ideia era latinizar a baianidade, porque ele já via, até por conta da minha presença na música da Bahia, que a migração poderia ser muito positiva ao fortalecer o coletivo”, conta Zárath.
Em 1986, eles gravaram juntos a canção “Recompensa”, de Brown e Luiz Caldas, para o LP “Dengo Cubano”, o primeiro de Zárath, sendo esta também a primeira vez que Brown colocou sua voz num disco. Nesse momento, os ritmos do Caribe, como salsa, merengue, rumba, guajira e mambo, passam a se encontrar com a percussão baiana e com a linguagem das “lavagens” (festas populares) de Salvador. A música da Bahia explode e chega aos quatro cantos do mundo.
“Era interesse da linguagem percussiva a reafricanização e a relatinização”, lembra Brown, continua numa hipótese que justificaria tamanho êxito do encontro que se sucedeu: “Jorge Zárath foi um baiano gestado a uma distância, mas em total consonância com a gente, para que a Bahia que existe lá do outro lado viesse convergir com tudo que aqui musicalmente fazemos. Ele simboliza uma aproximação social de uma Bahia que até então não se misturava tanto”.
A confirmação da importância e influência da música latina na Bahia veio com o sucesso, nos anos 90, da banda Salsalitro, de Zárath, que fazia da plateia protagonista indispensável, com movimentos de dança compartilhados por todos, sob o seu comando e o de dançarinos infiltrados no meio do público. “A dança é fator contagiante nas festas da Bahia, incluindo as coreografadas espontaneamente nos shows. Por isso, é um ingrediente que está tão presente no clipe”, pontua o artista.
Das tantas referências que aparecem tanto na letra da canção quanto na produção audiovisual, fica uma mensagem: a chama está viva. O clipe funciona como um grande ato de respeito às raízes, um reconhecimento à fertilidade intrínseca ao encontro de culturas e uma comemoração às grandes parcerias, além de ser delicioso assistir o reencontro histórico entre Zárath e Brown, duas potências divertindo-se no Pelourinho, sob o sol dançante e musical da Bahia.