Eu amo estar em Lisboa! É feito a minha casa, parece-se comigo, Lisboa. Tem um não sei quê meio decadente, mas é tão carregada de charme que só me dá a impressão de estar fazendo tipo, penso sempre que guardou tudo o que tinha de novo e reluzente no porão e disfarçou-se de andarilha, de trovadora, de dama da noite, exatamente como faz a minha alma, alma pobre, humilde, alma cigarra que só deseja cantar, ora, eu mesma na prática nunca fui rica, nunca tive nem por sonho aviamentos novos guardados num porão…

Prédios velhos como o tempo, praças seculares, gradís floridos guarnecendo janelas desbotadas, cobertas pela hera e pelo limo..

Foto: Eduard Gordeev

Foto: Eduard Gordeev

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Foto: Eduard Gordeev

Gosto de estar à beira do Tejo, de ver as estrelas polvilhadas que nem açúcar branquinho num céu negro de chocolate, suspensas na densidade do frio que cobre a madrugada de Lisboa. Gosto de vagar a esmo pela linda cidade, errando entre rotundas e viradas ditas pela voz cheia de sotaque da moça do gps, gastando toda a paciência do meu marido, homens, aff!, são sempre tão urgentes, tão agoniados pra chegar, pra ir, pra parar, pra comer, pra voltar, que coisa!

Foto: Francisco Olhares

Foto: Francisco Olhares

Lisboa tem velhos taxistas mal-humorados que dirigem velhas Mercedes-Benz. Você pensa que diminuem a delícia da cidade? Que nada! São a pimenta, o sal e o azeite-doce que tempera tudo, engraçadíssimos quando se zangam com a turistada que não se comporta, línguas viperinas e velozes, se viram no diabo e por vezes param o carro pro pito em regra, como não se divertir com tal despautério?

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Coisa que gosto por demais é imitar o falar do povo português, não o fazendo sempre e abertamente por medo de parecer estar a fazer pouco, estar desmerecendo o povo, o que passa muito longe da verdade! Amo o jeito português de falar, há música em seu fraseado, há um cabedal de lindas palavras, há um jeito de corpo, um meneio, minha imitação é pífia diante de tanta graça.. Nós brasileiros temos a mania de achar que falamos português castiço e espanhol com facilidade. Ledo, ledíssimo engano, somos uns tontos, uns pretensiosos, perdoa-nos, Camões!

Um dia, quem sabe, passaremos um tempo em Lisboa, como perfeitos lisboetas, usaremos chapéus de feltro e sobretudos escuros, moraremos num solar de mil anos e dizendo versos à beira do rio brindaremos a Fernando Pessoa e à existência dessa joia de lugar.

Foto: Eduard Gordeev

Foto: Eduard Gordeev

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